Começou quando eu era pequena.
No início era só uma tendência, um acanhado dom que eu descobria encantada a cada desatino. Dava nada por ele.
Depois foram outras pessoas que perceberam. Minha sogra e minha avó.
A primeira dizia que eu comia que nem passarinho.
A segunda, que eu falava com os passarinhos. De manhã bem cedo, debaixo da sua janela, eu fazia serenata – conversava com o canário da gaiola. Meu biquinho a abrir, os bracinhos a sacudir e a padaria a remexer, tchu tchu tchu tchu.
E Deus disse faça-se o concerto. E o desconcerto é que foi feito. Eu canto.
De manhã de tarde a noite, eu canto. Tô triste, canto. Tô feliz, canto. Tô brava, canto. Eu canto em todos os cantos.
Tô cansada, canto. Se acredito, canto. Se tá frio, canto. Se tô lá fora, canto. Se pediu, canto. Eu canto e meus males espanco.
Se quero lhe contar como vivi e tudo o que aconteceu comigo, eu canto.
Eis que um dia estava à toa na vida e a banda da escola me chamou pra ver no que eu ia dar cantando coisas de Legião e Ultraje à Rigor. Não dei em nada. Nem pra ver a banda passar pra lá bem longe de mim. Cantando eu vi a oportunidade perdida.
Mas como é de tom em tom que a galinha enche o saco, então grito e feito.
Descobri que de cantar me vou ao longe, sozinha é claro. Longe do marido, dos filhos, dos vizinhos, dos outros. Não me aguentam mais ouvir cantar.
Vou viajar só, ligo o rádio e canto. Acompanhada, ligo o rádio e canto. E se não viajo, fico em casa encontro um canto ligo o rádio e canto.
Quando assisti a comédia Antes Só Do Que Mal Casado me lembrei de mim mesma. Cena da viagem de carro do casal até o México: a menina vai de cabo a rabo cantando sem parar todas as músicas que tocam no rádio. Eu.
Berrar é humano, mas insistir em cantar é passaresco. De tanto cantar aprendi a passarar.
Canto pra acordar, pra fazer dormir, pra aliviar, pra amar e pra viver. Também canto pra chorar. E se eu chorar e o sal molhar o meu sorriso, não me espanto e canto de novo.
Você começa uma pergunta, eu emendo num refrão. Você me conta a novidade, eu engato uma canção. Você me chama ao telefone e eu… tenho um violão que é pras noites de lua, tenho uma varanda que é minha e que é sua, vem morar comigo.
Se não me bastasse só de cantar, também danço pois é melhor dois passos no salão do que um só cantando.
Já lá me vou num doce balanço a caminho do bar. Porque a ocasião faz o cantor, sigo passarinhando num melodioso assobio. Hora saltito, hora voo lentamente e meio fora do ar. Só apressa quem é inimiga da canção. Ainda leva uma cara pra gente poder dar bafão e abafar.
Quem se esmera sempre ao canto.